25 de mai. de 2012

Reportagem para produção de texto ( 28/05 )


Harvard, aí vamos nós

A jovem abaixo passou em seis universidades americanas. Ela faz parte de uma nova geração que, por meio da educação, quer conquistar o mundo

ALINE RIBEIRO E THAIS LAZZERI

MUITAS  OPÇÕES
Tabata de Pontes em São Paulo. Ela passou duas semanas nos Estados Unidos para conhecer a rotina das universidades que a aceitaram. Optou por Harvard (Foto: Marcelo Spatafora/ÉPOCA)


Numa sala de aula com alguns jovens imberbes, além de meia dúzia de meninas que parecem compenetradas, a professora pergunta com exagerada naturalidade:
– Alguém aí já ouviu falar da constante de Faraday?
Silêncio.
– E de carga elementar?
Silêncio de novo. Ela insiste:
– Quem nunca escutou levanta a mão.
Os espectadores são alunos com mais ou menos 18 anos de um cursinho particular de São Paulo, o Etapa. Estudam para enfrentar o vestibular do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), um dos mais concorridos do país. A professora Tabata Amaral de Pontes conduz a aula de eletroquímica com postura de doutora. Responde às dúvidas individualmente. Na lousa, escreve fórmulas que, aos desabituados, mais parecem grego ou húngaro. Tabata não tem cabelo de cientista maluco, tampouco a cara do nerd clássico. Com apenas 18 anos, ela usa aparelho nos dentes, tênis All Star, calça jeans detonada e presilha tic tac para não deixar a franja cair em seu rosto de menina. Nem por isso é menos respeitada pelos alunos, que a chamam de professora, inclusive os mais velhos do que ela.
Tabata acaba de ser aceita em seis instituições que fazem parte da lista das 20 melhores universidades do mundo: Instituto de Tecnologia da Califórnia (CalTech), Yale, Princeton, Colúmbia, Harvard e Pensilvânia. Enquanto o ano letivo nos Estados Unidos não começa, dividiu-se entre o curso de física na Universidade de São Paulo (ah, sim, ela também passou na USP) e uma maratona de atividades, como dar aulas em cursinho e trabalhar num projeto social. Detalhe importante: ela vem de uma família da Vila Missionária, bairro de classe média baixa na Zona Sul de São Paulo. Estudou em colégio público até o começo da 7ª série. Nos demais anos, ganhou uma bolsa do próprio Etapa, onde hoje ensina alunos que pagam uma mensalidade de R$ 1.500.
Embora seja uma exceção na realidade das escolas públicas, Tabata representa uma nova geração de jovens que já não mais sonham em sentar-se nas carteiras dos melhores centros do Brasil, como a USP ou o ITA. Eles ampliaram seus horizontes estudantis ao descobrir que, sim, a possibilidade de frequentar o ensino superior fora do Brasil é real – e menos inalcançável do que se imaginava no passado. Até para aqueles que, como Tabata, não nasceram em famílias abastadas. Esses alunos querem integrar o seleto grupo de mentes brilhantes da Ivy League, uma lista de oito universidades privadas da Costa Leste dos Estados Unidos, as mais tradicionais do país. Ou dos demais centros americanos, da Europa, do Canadá ou da Austrália, também reconhecidos pela excelência. Faz sentido. No último ranking da revista Times Higher Education (THE), liderado pela americana CalTech, a universidade brasileira mais bem classificada é a USP, que aparece na 178ª posição. Não é um resultado desonroso – trata-se da instituição mais bem colocada da América Latina. Mas a universidade brasileira ainda está longe das melhores do mundo. No ranking, das dez primeiras, sete são americanas e três britânicas. Entre as 20, apenas o Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH) não tem como língua materna o inglês.
Além do status de integrar o time das primeiras do mundo, esses estudantes buscam algo que as universidades brasileiras não lhes proporcionam: uma educação mais completa. Na maioria das instituições americanas, o aluno não precisa escolher um curso logo que entra. Tem a oportunidade de assistir a aulas de diferentes áreas, para só depois optar por uma. Nos mesmos quatro anos letivos, é possível obter mais de uma formação. Ele entra em contato também com uma estrutura que premia o mérito de seus alunos e professores, algo que nem sempre acontece nas universidades brasileiras. Por último, existe o bônus da diversidade cultural. As universidades dos EUA recebem alunos de nacionalidades diversas.
O Brasil ainda está bem atrás da China e da Índia, os países que mais enviam alunos para os EUA. No ranking do Instituto Internacional de Educação, nosso país ocupa a 14ª posição. Foram 8.777 alunos entre graduação e pós em 2011, 25% a mais que em 2006. “Este é o momento perfeito para fazer as malas e estudar fora”, afirma Adam Singerman, coordenador do Instituto de Liderança do Rio (ILRio), uma ONG criada para identificar talentos e encaminhá-los aos centros de excelência.
O principal motivo para o bom momento é financeiro. Com o real forte e a economia estável, mais famílias conseguem arcar com os gastos do jovem no exterior. O custo por ano numa universidade mediana nos EUA, somados o curso e a acomodação, gira em torno de R$ 70 mil. Para um estudante do interior morar e fazer uma faculdade privada em São Paulo, as despesas ficam em torno de R$ 40 mil ao ano. Essa diferença foi 15% maior há dez anos. Outro fenômeno explica o desejo de ter um diploma internacional: o brasileiro está viajando mais. Com acesso a outras culturas, os alunos se abrem para a possibilidade de passar um tempo fora. Em 2005, o país enviou 3,4 milhões de turistas em viagens internacionais. Em 2010, foram 5,3 milhões, de acordo com a Organização Mundial de Turismo. Por último, e talvez mais importante, numa economia globalizada, ter experiência internacional faz toda a diferença no mercado de trabalho.
O jovem Marcelo Bonassa ainda brincava de carrinho quando, aos 10 anos, avisou que queria estudar fora. Filho de um engenheiro e de uma enfermeira, Marcelo se preparou exaustivamente para as provas das instituições brasileiras, a pedido dos pais, e das estrangeiras, por vontade própria. Na rotina de colegial, ainda trabalhava como professor voluntário de inglês, fazia artigos científicos e participava de olimpíadas de química. O retorno chegou no começo do ano com uma boa notícia. Uma não, 16. Marcelo foi aceito em 16 universidades – três no Canadá e as demais nos Estados Unidos. Dessas, cinco integram a Ivy League. Optou por Princeton, localizada no Estado americano de Nova Jersey, ao lado de Nova York. “Tenho interesses em áreas distintas”, diz. “Lá posso estudar economia e química em paralelo.” Para atender ao sonho do filho, seus pais desembolsarão R$ 100 mil por ano.
A mensagem
Para o estudante
Ingressar numa universidade estrangeira está cada vez mais viável
Para a sociedade
A volta desses alunos ajuda o desenvolvimento do Brasil
 Para quem não tem as condições financeiras de Marcelo, mas, assim como ele, sonha em estudar fora, há alternativas. O governo brasileiro nunca incentivou o ingresso em instituições estrangeiras tanto quanto agora. O programa Ciência sem Fronteiras, lançado no ano passado, tem a meta de, até 2015, enviar 100 mil pesquisadores para o exterior, entre graduação e pós, a maioria para universidades americanas. O compromisso dos estudantes beneficiados é voltar para o Brasil ao final do curso. Em abril, a presidente Dilma Rousseff deu outra boa mostra de suas intenções. Em visita aos EUA, fechou acordos para ampliar o intercâmbio em universidades de ponta, como Harvard e o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), instituições localizadas nas cercanias de Boston.
Assim como cada vez mais brasileiros procuram o curso internacional, é recíproco o interesse de outras nações pelas melhores mentes daqui. No ano passado, o presidente americano, Barack Obama, promoveu esse intercâmbio de cérebros com o programa “100 Mil Unidos pelas Américas”. O objetivo é fazer parcerias com os países latino-americanos para chegar a 100 mil alunos americanos estudando na América Latina e o mesmo número de alunos latino-americanos nos EUA. As próprias instituições estrangeiras estão de olho no Brasil. A Universidade Colúmbia, sediada em Nova York, abrirá uma filial no Rio de Janeiro. Isso porque a presença de brasileiros lá cresceu nos últimos anos. Em 2007, apenas um aluno brasileiro ingressou na Colúmbia. Neste ano, com o aumento da procura, 15 foram aceitos e há sete na lista de espera.
FUTURO GARANTIDO
O estudante Marcelo Bonassa em sua casa, em São Paulo. Aos 17 anos, ele foi aceito em 16 universidades estrangeiras. Escolheu Princeton (Foto: Marcelo Spatafora/ÉPOCA)


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7 passos até lá
Não basta ser o melhor aluno do colégio. É preciso mais. O que os especialistas recomendam a quem pretende cursar o ensino superior fora do Brasil. E passar uma temporada fora 
1. AJUSTE O FOCO
O talento tem um fôlego. Mais importante que ser um gênio no colégio é ter dedicação, foco e organização para estudar
2. DESTAQUE-SE NA ESCOLA
É importante tirar boas notas durante todo o ensino médio. Se você decidir tentar as universidades de fora só no meio do caminho, mostre um salto de desempenho
3. AMPLIE O LEQUE
Não fique restrito às universidades do topo do ranking. Há outras 177 à frente da mais bem colocada brasileira, a usp. Escolha entre 5 e 10 instituições, de acordo com seu perfil
4. INVISTA NO INGLÊS
A exigência da língua inglesa é alta para cursar as boas universidades americanas. Comece cedo para se sair bem em testes como o Toefl
5. TENHA VIDA PRÓPRIA
Praticar esporte, fazer trabalho social ou tocar instrumentos é muito valorizado. Mas é melhor se dedicar a duas atividades com entusiasmo que a muitas com desleixo
6. PEÇA AJUDA
Algumas empresas auxiliam o estudante durante a aplicação para as universidades. Nas redes sociais, o grupo BSCUE aconselha (de graça) os interessados no processo
7. COMECE CEDO
Comece a inscrição com, no mínimo, um ano de antecedência. As etapas são burocráticas e você pode se atrapalhar se deixar tudo para a última hora
Fontes: EducationUSA e ILRIO 
 A despeito das facilidades conquistadas, para ser pinçado por uma das melhores do mundo é preciso reunir um exigente conjunto de predicados. Nos Estados Unidos e na maior parte dos países europeus, não existe vestibular – os bons alunos são escolhidos pelas melhores universidades com base em seu histórico escolar, levando em conta também o sucesso em atividades artísticas, esportivas ou sociais. No caso dos estudantes estrangeiros, eles tentam usar critérios análogos (leia o quadro ao lado). Essas universidades valorizam o estudante com uma formação completa. Querem conhecer a história de cada um no detalhe. “Como sei que o candidato é um dos melhores da sala, na entrevista não pergunto sobre desempenho escolar, mas sim sobre quem ele é, sua garra, caráter e dedicação”, afirma Diana Moreinis Nasser, presidente do Alumni Representative Committee, ligado à Colúmbia e responsável por parte do processo seletivo. “Não basta gostar de futebol. É preciso ter conquistado prêmios. Se toca piano, quero saber se participou de competições na Europa.”
A história pessoal de Tabata reúne todos os passos de uma longa jornada até as melhores instituições. Ela faz parte da primeira geração de sua família a frequentar a faculdade. A mãe, Reni, uma baiana com mais de 20 irmãos, conheceu as letras só aos 12 anos. Terminou o ensino médio com a filha, e por insistência dela, no ano passado. Hoje é dona de casa. O pai, que já morreu, trabalhava como cobrador de ônibus. A mãe e o irmão mais novo, Allan, moram até hoje na Vila Missionária. Numa casa abarrotada de imagens de santos e bibelôs de anjinhos, cercada por plantações de morangos e toda sorte de animais. Ali, cada parede foi erguida pela própria família, num terreno que pertence à prefeitura.
Ao entrar na 5ª série, Tabata descobriu as olimpíadas de matemática – e se encantou pelos números. Com a primeira medalha, veio também uma bolsa para frequentar as aulas de iniciação científica do curso pré-vestibular Etapa, que a preparariam para as competições. Daí para ganhar uma bolsa no ensino fundamental, e mais tarde para o médio, foi um pulo. Nesse tempo, ela nem sequer sabia da possibilidade de ter curso superior. “Ninguém me contou que eu poderia fazer universidade. Meus pais também não fizeram”, diz. “Quando cheguei ao colégio particular, percebi que todas as crianças viviam para passar na USP.” Seu mundinho então se abriu.
Adaptar-se à nova rotina na escola paga custou-lhe um ano de estranhamento. Foi o tempo que levou para conquistar amigos. E para se livrar da vergonha que tinha dos sapatos gastos e fora de moda, os únicos que os pais podiam comprar. À medida que se encaixava nesse outro mundo, sobressaía cada vez mais pelo esforço e pelas ótimas notas. Tirou 9 em sua primeira prova de química, sem nunca ter aprendido o que era elétron na vida (no antigo colégio, só tinha aulas de ciências). Certa vez, ao final do 7º ano, Tabata assistiu a uma palestra de uma professora do MIT. “Pensei: meu Deus, como assim existe esse paraíso na face da Terra?” Seu mundo se abriu ainda mais. E ela decidiu que estudaria fora do Brasil.
É assim, sempre expandindo seus horizontes pelos mundos recém-descobertos, que Tabata escolhe seus próximos objetivos de vida. Aconteceu assim com as olimpíadas estudantis. Participou de competições de matemática, física, astronomia, astrofísica, robótica e linguística. Viajou para Turquia, Polônia e China, com tudo pago, atrás de medalhas para o Brasil. Já ganhou cerca de 40. Numa das provas práticas de astronomia, ficou sob o céu estrelado de uma cidade interiorana chinesa reconhecendo os planetas. Sabia de cor os nomes de 300 estrelas e 88 constelações, em inglês e em latim.
Por mais de uma vez, ela quase desistiu do sonho da universidade americana. A casa da família na Vila Missionária fica longe do Etapa. Chegava a demorar até duas horas e meia para retornar no fim do dia, por causa do trânsito. O dinheiro para o transporte e a alimentação era escasso. Tabata passou um ano trocando as refeições por “pão com alguma coisa” e iogurte com granola. Ganhou uma gastrite. Prestes a desistir, recebeu uma proposta do colégio onde estudava. Morar num hotel próximo da escola, com tudo pago, alimentação inclusive. Há pouco mais de dois anos, Tabata vive num pequeno quarto com banheiro, mesinha para computador, cama de solteiro e TV. Agora come melhor, apesar de a mãe não acreditar. “Como posso ficar tranquila aqui sabendo que ela almoça sorvete todo dia?”, diz Reni.
Como a maior parte dos adolescentes, Tabata é uma contradição ambulante. Ora aparenta ser uma menina frágil e pueril. Ora ganha ares de mulher madura e bem resolvida. A menina Tabata chora à toa e muito, brinca com as duas tartarugas, o papagaio e os cinco cachorros da família, adora sorvete (para desespero de Reni), detesta bebida alcoólica (para felicidade de Reni), tem cor preferida e melhor amiga, coleciona papel de carta e exibe ursos de pelúcia sobre a cama, coberta com lençol de temas infantis. A mulher Tabata viaja sozinha até Buenos Aires para encontrar o namorado argentino, pondera cada situação antes de escolher em qual universidade passará os próximos quatro anos, irrita-se profundamente quando se atrasa para um compromisso.
Não bastasse a inteligência notável – apesar de ela não tê-la medido, por acreditar que testes de Q.I., ao deixar outras habilidades de fora, são injustos –, Tabata tem uma disciplina espartana. Na época do colégio, quando não estava nas aulas preparatórias para olimpíadas ou na turma do ensino médio, agarrava os livros em casa durante quatro horas por dia. “A vaga dela em Harvard estava garantida há muito tempo”, diz Edmilson Motta, coordenador do Etapa.
Enquanto disputava vaga nos EUA, Tabata se esforçava para continuar seu cotidiano normal. Fazia dança e inglês. Na Igreja Católica do bairro onde mora a família, era acólita, uma espécie de coroinha adulta que ajuda o sacerdote durante a liturgia. Ainda encontrava tempo para um projeto social que criou com o amigo Henrique Vaz. No Vontade Olímpica de Aprender (VOA), Tabata dá aula todo domingo pela manhã para estudantes da escola pública. O objetivo é prepará-los para olimpíadas de astronomia, física, química e matemática. Desde 2010, o VOA treinou centenas de alunos e obteve 20 medalhas. “Ela quer devolver à escola pública todas as chances que recebeu”, afirma Soiane Vieira, coordenadora do projeto. Essa veia filantrópica é bem recebida nos Estados Unidos, onde o conceito de giving back – retribuir à sociedade o que se recebeu dela – é um traço cultural. Essa característica também conta pontos na hora de tentar uma vaga numa instituição americana.
A primeira das seis respostas positivas que Tabata recebeu das universidades saiu quando ela dava aula de cursinho em Valinhos. Assim que deixou a sala, viu dezenas de ligações perdidas em seu celular. Um aglomerado de zeros no visor do aparelho mostrava que era uma chamada internacional. Ela não conseguiu ligar de volta porque não tinha créditos suficientes nem para dizer “alô”. Chegou ao hotel onde morava às 8 da noite e tentou todos os contatos possíveis no Brasil para entender o que estava acontecendo. Só às 2 da manhã, pelo Skype, conseguiu conversar com o autor das ligações. Era o diretor de admissões de Harvard. Ao descobrir que passou, Tabata primeiro perguntou se não era trote. Depois chorou por horas. As outras aprovações saíram nas semanas seguintes, mas ela nem comemorou. Acabara de perder o pai. Por alguns dias, desistiu de ir para os EUA. “Não fazia mais sentido”, diz. “Queria ficar aqui com a minha família.”
No mesmo momento em que enfrentava a dor de uma perda tão importante, Tabata virou uma estrela no universo pré-vestibular. Raramente passava despercebida pelos alunos e professores do colégio. Os pedidos de amizade no Facebook, de desconhecidos principalmente, pipocavam a cada semana. Enquanto era disputada por seis das melhores universidades do mundo – ganhou bolsa integral de todas elas –, Tabata recebeu dezenas de e-mails, ligações e até convite para um almoço com um ex-aluno de Harvard, hoje diretor de um banco no Brasil. Todos tentavam convencê-la a dizer sim para suas instituições.
No mês passado, a convite das universidades e incentivada por seus padrinhos, Tabata foi aos EUA. Viajou sozinha. A ideia era despertar novamente na menina a vontade de estudar fora. Durante duas semanas, ela visitou o campus de cada instituição para decidir onde será sua vida a partir de agosto próximo, quando começará o ano letivo americano. No diário de bordo, escreveu suas impressões das faculdades. Quase todas as frases terminam com uma carinha desenhada. Algumas sorridentes. Outras assustadas. Sobre Harvard, anotou: “Dizem que não se preocupam com a graduação e são meio arrogantes. Mas é bem bonita e parece meio mágica”. Tabata escolheu a universidade, mas ainda não decidiu seus rumos. Por ora, quer se formar em física e ciências políticas ou sociais. “Mas quem sabe não descubro que nasci para ser chef de cozinha e faço gastronomia?”, diz. Sua trajetória inspirou colegas. A amiga de quarto de hotel, Giovanna Bolzan, saiu do interior para estudar em São Paulo e tentar as melhores universidades brasileiras. Influenciada por Tabata, pensa agora cursar as americanas. “Ela é um exemplo muito forte para mim”, diz a fã Giovanna.
É verdade que, sem esforço e vontade própria, Tabata nunca teria chegado aos bancos das melhores do planeta. Mas é verdade também que o apoio de instituições que a cercaram foi decisivo para o sucesso. Da EducationUSA, um centro financiado pelo governo americano para promover o ensino superior nos EUA, ela recebeu ajuda financeira para bancar a seleção nas universidades, desde a tradução de documentos até as taxas dos exames. “A Tabata é perfeita. Ela sabe pedir ajuda, não é arrogante, tem foco e uma inteligência incrível”, afirma Thais Burmeister, gerente da EducationUSA. Do ILRio, a ONG que ajuda os jovens a chegar aos melhores centros de fora, ganhou um mentor de Harvard. Contou ainda com uma bolsa da Cel Lep para melhorar o inglês, além do ensino médio, moradia e alimentação financiados pelo Etapa. Cada instituição foi recompensada com a exposição que a menina rendeu na mídia.
A formação internacional transforma jovens como Tabata em profissionais mais capacitados para lidar com os desafios da globalização. Mas até que ponto isso se traduz em benefícios para o país de origem? Quem garante que essas mentes brilhantes voltarão? Até décadas passadas, essa transferência de capital humano das nações pobres ou emergentes para as ricas era uma preocupação dos economistas. O conceito ganhou o nome de brain drain (algo como fuga de cérebros). Aos poucos, esse receio dá lugar ao brain gain (ou ganho de cérebros). “Não existe capital humano perdido”, afirma Nilson Vieira Oliveira, coordenador do Instituto Fernand Braudel de Economia. “Mesmo os que não retornam ajudam indiretamente, porque criam a sensação de que é possível alcançar as melhores universidades internacionais. É uma mudança cultural marcante.” Esse movimento se reflete ainda nas instituições brasileiras, que se sentem obrigadas a elevar o padrão do ensino superior.

GAROTA PRECOCE
Lilian Alves na Bloomberg, em São Paulo. Aos 22 anos, formada pela Mount Holyoke College, ela é analista da agência de informações financeiras (Foto: Rogério Cassimiro/Época)




Com só 22 anos, a jovem Lilian Alves já percorreu o caminho de volta – e começa a dar sua contribuição ao país. Formada em relações institucionais, fez dois anos do curso na Universidade do Estado do Amazonas e o restante na Mount Holyoke College, em Massachusetts, uma das faculdades de excelência dos EUA. Conseguiu 90% de bolsa. “A cada semestre, tinha mais noção da magnitude daquela mudança para minha vida”, afirma. Lilian é do interior do Amazonas. Nasceu na cidade de Tefé, a mais de 500 quilômetros da capital Manaus. De volta ao Brasil, trabalha hoje em São Paulo, como analista de pesquisa da agência de informações financeiras Bloomberg. Dos cinco colegas diretos de trabalho, três estudaram no exterior.
O jovem Marcelo, o garoto que recebeu 16 boas notícias neste ano, ainda não sabe se seguirá os mesmos passos de volta de Lilian, mas certamente já inspirou muitos alunos brasileiros. Tabata, se não se descobrir uma grande chef no futuro, deseja abrir um enorme centro no Brasil com pesquisadores do mundo todo para melhorar a educação pública do país – e retribuir as chances que lhe deram ao longo de sua curta e impressionante trajetória. “Quero chamar gente da China, da Índia, da Argentina, dos EUA, do Sudão”, diz ela, mais acelerada que de costume. Enquanto não se forma e vira uma cientista, planeja aproveitar ao máximo tudo o que Harvard pode lhe oferecer fora da vida acadêmica. É nessas horas que a Tabata menina reaparece. “A primeira coisa que vou fazer quando chegar lá é me matricular num curso de dança indiana.”

(Fontes: Organização Mundial do Turismo e Ministério da Ciência e Tecnologia)

Fonte: Época 19/05/2007

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